Bom, acabo de voltar do Théâtre de la Ville, um dos palcos mais importantes de Paris. Aqui as produções rodam muito mais, e o preço não é exorbitante como num Teatro Alpha. (Mas devo dizer que alguém com mais de 1,70m não passa duas horas confortáveis espremido entre as fileiras econômicas do teatro…)
Assisti a três short espetáculos do coreógrafo americano (radicado no Canadá?) William Forsythe. Uma produção de 91, outra de 96, e a última de 2000.
Começando cronologicamente, Second Detail conta com 14 dançarinos e 14 banquinhos situados no fundo do palco. Tudo é cinza e branco, incluindo a música de Thom Willems. Como em 91 eu ainda não ia assistir a espetáculos de dança, ouso dizer que o inusitado destes 40 minutos é justamente a falta de diálogo com o que conheço por dança contemporânea. Os atores não param um segundo, mas não me pareceu que seu deslocamento pelo palco fosse uma coisa estudada. Me pareceu muito mais um preenchimento que uma narrativa de movimento. Mesmo os ‘pas de deux’ eram meramente técnicos, sem nenhum discurso corporal ou interação entre os dançarinos. A música pontuava as transições, mas não adicionava absolutamente nada. Não sei se é ignorância minha, mas um espetáculo sem “história” e sem “sentimento” me parece vazio, não importa o nível de virtuosismo dos bailarinos. (e aqui eu chamo a atenção para uma bailarina de 2,60m que passa longe de ser graciosa e parece um poste contorcido…)
O coreógrafo utiliza o coro em vários momentos, mas ele não tem impacto nenhum, está lá somente para preencher o vazio da cena. E, convenhamos, 14 bailarinos no palco… se o vazio fosse conceitual… não, não. Os coros de 3, 4 atores do Antunes preenchem uma imensidão muito maior que essas pessoas pulando pra lá e pra cá…
Depois de 20 intermináveis minutos de intervalo, passamos pro Duo, um espetáculo de 15 minutos com duas bailarinas (redundante e óbvio, o título). A música, sempre do mesmo compositor, agora entra como um elemento extremamente sutil. Os movimentos espelhados se quebram em alguns poucos solos, sempre marcados pela música bem baixa, quase imperceptível em alguns momentos. OK, minutos de deleite técnico. As bailarinas executam os movimentos com uma precisão (quase) impecável, e a trilha (quase) inaudível entra como uma ambientação sutil duma coreografia marcada pela respiração das duas. Sim, pois o mais bonito é perceber que elas respiram juntas, e seus movimentos se originam justamente desse respiração, tornando a transição pelo espaço muito mais fluida. A sincronicidade aqui não é meramente técnica, mas orgânica, já que cada movimento tem origem na inspiração ou na expiração. Assim, seu deslocamento pelo espaço nada mais é que uma extensão física dum pulsar interno. Bonito, poesia na dança, diálogo das duas ao vivo, sorrisos de canto de boca mesmo no momento dum pequeno desequilíbrio. Aliás, só aqui o desequilíbrio é permitido, porque só aqui o movimento é de fato interno.
Por fim, One flat thing, reproduced. Uh lala, la honte! 14 dançarinos, 14 mesas no palco. Uma pobreza inédita de cenografia e de figurino. Reconheci metade dos meus pijamas no palco. A idéia de partida é genial: se os bailarimos devem se deslocar pelo espaço, e se existem (14) obstáculos, como o movimento pode fazer crescer seus corpos de maneira a transcender essas mesas (horrorosas, por sinal) e ocupar o palco? Não sei, mas o coreógrafo também não é capaz de responder. A coreografia pela coreografia, sem nenhuma tomada de posição, sem nenhum discurso, sem nenhuma história pra contar.
Queria entender como alguns profissionais adquirem um renome que não é merecido. Não conheço a obra de William Forsythe, não consigo nem mesmo decorar seu sobrenome, mas sei que o cara é famoso. E se seus outros trabalhos forem como esse, tenho que me agarrar ao meu pessimismo e achar que hoje a auto-promoção fala mais que… que… a profundida de um espetáculo.
OK, nao é um bom fim prum texto, mas eu estou frustrada. Profundamente.
A la fin, franceses empolgados com o dia ensolarado aplaudiam efusivamente um espetáculo completamente vazio. Aposto que eu se perguntasse do que se trata, ninguém saberia responder objetivamente… bah!